A clamidiose ou ornitose é uma doença infecciosa, causada pela Chlamydophila psittaci, uma bactéria intracelular obrigatória com distribuição cosmopolita. Acomete aves e mamíferos, e constitui-se em uma das principais zoonoses de origem aviária.
Diante do evidente aumento na criação de aves como pets e ao estreito contato entre os psitacídeos e os humanos, esta zoonose tem se tornado cada vez mais preocupante. Entre o grupo de risco destacam-se proprietários de aves de companhia, trabalhadores em criação de aves comerciais, indivíduos que trabalham em lojas que comercializam aves e médicos veterinários.
Sua prevalência tem sido subestimada, devido ao seu diagnóstico definitivo ser difícil, em virtude da complexa fisiopatologia da infecção. O diagnóstico ante mortem requer uma combinação de testes e associação com sinais clínicos e histórico e, muitas vezes, representa um desafio ao médico veterinário.
De acordo com a Associação Nacional dos Veterinários de Saúde Pública do Estado (National Association of State Health Veterinarians - NASPHV), nos Estados Unidos, 66 casos da doença foram registrados em humanos, de 2005 a 2009. Casos fatais ocorreram em até 25% dos pacientes não tratados e em menos de 1% dos pacientes tratados corretamente. A dificuldade e a demora no diagnóstico e tratamento da doença são consideradas fatores de risco em pacientes humanos. No Brasil há raros estudos e relatos que envolvam esta zoonose.
A transmissão da C. psittaci ao homem ocorre principalmente através da inalação do microrganismo presente em penas e fezes secas ou em secreção respiratória de aves infectadas. A enfermidade em humanos é descrita como uma doença de início insidioso, com sintomas brandos e inespecíficos, assemelhando-se a infecções de vias aéreas superiores. Os sinais clínicos típicos incluem febre, calafrios, dor de cabeça, mialgia, mal estar, tosse não produtiva acompanhada de dificuldade respiratória, além de casos graves e multissistêmicos.
A C. psittaci é um cocobacilo Gram-negativo, com 200x1.500nm, ou mais, de tamanho. Seu envoltório celular é semelhante à parede celular de outras bactérias Gram-negativas, exceto por não possuírem peptideoglicano. São bactérias intracelulares obrigatórias devido à incapacidade em obter energia mediante atividades metabólicas. Na membrana externa possui uma proteína imunodominante denominada “principal proteína externa de membrana” – major outer membrane protein - MOMP - com aproximadamente 60% do peso do envoltório. Outro importante constituinte da membrana é o lipopolissacarídeo clamidial – LPS; ambos representam importantes antígenos de superfície de membrana com uso para diagnósticos específicos. A família Chlamydiaceae possui um ciclo de desenvolvimento bifásico único, caracterizado por três formas morfológicas distintas: corpo elementar (CE), corpo intermediário (CI) e corpo reticular (CR). O CE representa a forma infecciosa, extracelular, com tamanho pequeno (0,3μm) e metabolicamente inativo. O CR (0,5-1,6μm) é a forma intracelular, metabolicamente ativa e não infecciosa. O ciclo de desenvolvimento inicia-se com a endocitose do CE pelas células eucarióticas. Os CEs permanecem no interior de inclusões intracitoplasmáticas, sofrem transformação para a forma ativa (CR) e se multiplicam por divisão binária. Nesse momento, passam por um processo de maturação para novos CE e são classificados como CI (0,3-1,0μm). Após 24-48 horas, dependendo da espécie, novas formas infectantes (CEs) podem ser liberadas por ruptura celular e iniciam um novo ciclo em uma nova célula.
Em aves, a transmissão ocorre principalmente por via aerógena, mediante a inalação de excretas secas e secreções nasal e ocular de aves infectadas. O período de incubação pode variar de dias a semanas, dependendo da espécie, da virulência do agente, da idade e da condição da ave. A doença clínica é induzida por fatores estressantes, associados ao manejo impróprio, como má nutrição, excesso populacional, transporte inadequado e remoção do habitat natural.
Os sinais clínicos podem se apresentar de forma aguda, subaguda, crônica ou inaparente, dependendo do estado imunológico da ave, da espécie hospedeira, da patogenicidade do microrganismo, do grau de exposição à bactéria, da porta de entrada e da presença de outras doenças concomitantes. As formas subaguda ou crônica são típicas de espécies com baixa suscetibilidade ou infectadas com uma cepa de virulência moderada. Os sinais da doença são inespecíficos e incluem depressão, plumagem eriçada, tremores, letargia, anorexia, desidratação, blefarite, ceratoconjuntivite, sinais respiratórios, digestórios, urinários, neurológicos e óbito, entre outros. Emaciação, desidratação, urato verde-amarelado (típico de envolvimento hepático) também podem ser notados. Conjuntivite, muitas vezes recorrente, pode ser, em alguns casos, o único sinal clínico aparente.
O diagnóstico de clamidiose em aves é dificultado pela ausência de sinais clínicos patognomônicos, os quais, associados aos exames complementares (radiológico, hematológico e bioquímico), podem ser apenas sugestivos da doença, contudo, diagnóstico rápido e definitivo é necessário, devido ao potencial zoonótico da infecção.
Dentre as alterações encontradas incluem-se: aumento na contagem de leucócitos, alterações nas atividades de enzimas hepáticas, imagens radiográficas mostrando aumento de fígado e baço, bem como alteração em sacos aéreos. O isolamento da bactéria é o método recomendado para o diagnóstico de microrganismos da Família Chlamydiaceae. Em se tratando de uma bactéria intracelular obrigatória, necessita de cultura celular. Técnicas que utilizam cultura em ovos embrionados ou linhagens celulares são necessárias para avaliar a viabilidade da bactéria; ademais, facilitam sua posterior caracterização por meio de técnicas moleculares e bioquímicas, porém, os cuidados referentes à coleta da amostra, a fim de evitar contaminações, e a necessidade de transporte adequado, somados à necessidade de laboratórios com biossegurança nível três para a manipulação da C. psittaci, dificulta a realização do procedimento na rotina clínica.
O diagnóstico por detecção do DNA, através de PCR com sequências específicas para detecção do agente etiológico, é o ínico método comercial disponível para diagnóstico de C. psittaci no país, apresentando alta sensibilidade e especificidade.
O material colhido depende da técnica utilizada pelo laboratório de escolha. Amostras de fezes, swabes de cloaca ou de orofaringe são as mais utilizadas,porém, a excreção intermitente do microrganismo pode prejudicar o emprego dos métodos de detecção da bactéria, uma vez que a ave pode não estar eliminando o agente no momento da colheita, favorecendo a ocorrência de falso-negativos. Diante deste fato, sugere-se a colheita de material durante dois ou três dias consecutivos, o qual deve ser mantido em meio de transporte adequado, fornecido pelo laboratório. Outra técnica possível para diagnóstico post mortem é a imuno-histoquímica para confirmação diagnóstica, pelo método estreptavidina-biotina ligada à peroxidase.
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No Brasil, não há disponibilidade de testes sorológicos comerciais.
Atualmente, o Brasil não dispõe de medidas padronizadas que visam a guiar o clínico na identificação, manejo e tratamento para a doença. Tais medidas tornam-se necessárias, bem como a pesquisa de novos métodos diagnósticos e auxiliares.
A prevenção é sempre o melhor método para controle das oenças. A quarentena representa importante sistema de controle para evitar a introdução de agentes potencialmente danosos para o ambiente, para a saúde dos seres humanos e para a saúde animal; traz vantagens econômicas, tanto na manutenção dos criatórios produtivos como na manutenção da saúde de animais de estimação e de seres humanos. Deve ser fundamentada em programa de biossegurança e praticada com critérios e protocolos bem estabelecidos.
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